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Educação: nosso maior desafio
A escolaridade é um dos principais passaportes para a mobilidade social. Quem tem diploma universitário conquista melhor renda do que quem concluiu somente o ensino médio, a última etapa da educação básica. Elevar o nível de instrução, portanto, é um dos caminhos mais bem pavimentados para a prosperidade do indivíduo e da sociedade. Em um país desigual como o Brasil, no entanto, essa trajetória é repleta de obstáculos.
O longo período de quarentena imposto pelo coronavírus agravou a situação. Um levantamento do instituto de pesquisa Datafolha publicado em janeiro de 2021 apontou que 8,4% dos estudantes com idades entre 6 e 34 anos, matriculados antes da eclosão da pandemia em cursos do ensino regular básico, universitário e em programas de pós- graduação, teriam deixado a escola. Esse percentual equivale a 4 milhões de alunos, número superior ao de habitantes da capital, Brasília (3 milhões de pessoas), a terceira cidade mais populosa do Brasil. De acordo com a pesquisa, que envolveu 1670 entrevistas, feitas por telefone, entre os dias 30 de novembro e 9 de dezembro de 2020, 17,4% daqueles que largaram os estudos disseram não ter a intenção de retornar em 2021 – na faixa do ensino médio, essa taxa sobe a 26%. Na lista dos principais obstáculos à educação continuada, os mais lembrados pelos entrevistados foram necessidade de trabalhar (39,1%) e uma genérica “falta de interesse” (29,2%), seguramente inspirada por outras adversidades. Entre as mulheres também foram levantadas questões como a gravidez (23,8%) e a ocupação com afazeres domésticos (11,5%).
Ano após ano, apesar de avanços nas últimas décadas, uma parcela significativa dos estudantes abandona a escola e não retorna. Segundo o relatório Educação 2019: Pnad Contínua, produzido pelo IBGE, o atraso ou abandono escolar atingia 12,5% dos adolescentes de 11 a 14 anos e 28,6% das pessoas de 15 a 17 anos. Entre os jovens de 18 a 24 anos, quase 75% estavam atrasados ou abandonaram os estudos – neste grupo, 11% estavam atrasados e 63,5% não frequentavam escola e não tinham concluído o ensino obrigatório. Este cenário resulta em prejuízo para a os cidadãos em particular e a sociedade em geral. No estudo Consequências da violação do direito à educação, o economista Ricardo Paes de Barros apontou como a escolaridade afeta a inserção no mercado de trabalho, a produtividade, a saúde e a segurança pública no Brasil, sob o ponto de vista econômico. Para isso, projetou o futuro profissional de quem completa ou não a educação básica, comparando as perspectivas de um grupo em relação ao outro.
O resultado é que jovens que não terminam o ensino médio:
- Recebem remunerações de 20% a 25% menores.
- Permanecem quase 20% a menos do seu tempo laboral em empregos formais.
- Passam 10% a menos de sua vida ocupados.
O estudo foi lançado em julho de 2020 pela Fundação Roberto Marinho e pelo Insper. Com base em dados de 2018, indica que 17,5% dos jovens de 16 anos não conseguirão concluir o ensino médio até completarem 25 anos. Assim, mantida essa realidade educacional, serão 575 mil jovens a engrossar anualmente as estatísticas de adultos que não completaram a educação básica. O prejuízo, calculado sobre variáveis como empregabilidade, remuneração e expectativa de vida, é astronômico: R$ 214 bilhões ao ano, o equivalente a 68% do que União, estados, Distrito Federal e municípios destinam anualmente à educação – e algo próximo dos R$ 254,4 bilhões previstos pelo governo federal para o pagamento do auxílio emergencial durante a pandemia no ano passado.
Para chegar a essa cifra, os autores do estudo estimaram que um jovem que não conclui o ensino médio deixa de ganhar R$ 159 mil ao longo do seu ciclo de vida produtivo − 37% a menos do que receberia caso tivesse completado essa etapa. Somadas, as perdas em termos de produtividade, longevidade (menos anos de vida saudável) e segurança (maior taxa de homicídios) são ainda maiores, elevando para R$ 372 mil o custo social total projetado para cada aluno que não conclui a educação básica. “A educação impacta praticamente tudo da vida de uma pessoa e da sociedade”, disse Paes de Barros ao apresentar os principais resultados, no ano passado. “E tem impacto maior sobre o PIB do que sobre a renda individual”, afirma. “A educação é um fator primordial na imobilidade brasileira”, faz coro seu colega Vitor Pereira, economista especializado em educação que se dedica à avaliação de impacto de políticas educacionais. “Se você educar todo mundo consegue aumentar o bolo a ser dividido. As pessoas se tornam mais produtivas, se comportam de maneira diferente e isso mexe com violência, com a forma como as pessoas votam e inúmeras outras coisas”, acrescenta Pereira.
“O Brasil permite que a escola reproduza uma desigualdade que é da geração anterior. Em alguma medida, isso acontece em todo lugar do mundo, mas nunca nessa magnitude. Tem algo muito errado aí”, continua Ricardo Paes de Barros, professor titular do Insper, instituição de ensino superior e pesquisa. Ele chama atenção para a diferença entre os extremos: filhos de pais com a maior escolaridade completam o ensino superior numa proporção quase 15 vezes acima daquela dos filhos de pais sem qualquer escolaridade. “Mundialmente se reconhece que o Brasil tem essa característica exacerbada, um nível de desigualdade gigantesco”, diz ele.
Pelo menos uma das consequências desse abismo educacional é evidente: o impacto na renda. Em seu último relatório, Education at a Glance 2020 (Um olhar sobre a educação, em tradução livre), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta o Brasil como o país onde o diploma universitário garante, em média, a maior vantagem salarial na comparação com quem tem ensino médio completo. O levantamento comparou 37 países. No Brasil, a diferença era de 144%; na média da OCDE, 54%.
A saída da mobilidade social
Ricardo Paes de Barros ressalta que a educação básica é um direito humano capaz de melhorar a qualidade de vida independentemente do crescimento econômico. Isso acontece até mesmo se o jovem que concluiu ensino médio continuar na função que exerceria mesmo sem ter ido adiante nos estudos – ele cita motoboys e microempreendedores individuais. Em indicadores apresentados no site do Imds, a diferença no percentual entre os filhos de pais sem instrução e de pais com ensino superior completo possuidores de carro no domicílio ilustra o que diz o economista: salta de 39,4%, no primeiro grupo, para 86,1%, no segundo. Em outro indicador, o do acesso à televisão por assinatura ou à recepção de sinal digital, as porcentagens dos domicílios que possuem ao menos um dos acessos são de 40,2% e 90,6%, respectivamente – ou seja, o número quase quadruplica no grupo dos filhos de pais com ensino médio completo. “Os ganhos da educação básica não dependem tanto assim do progresso da economia”, conclui.