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Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas: a instituição pretende conectar 2 milhões de pessoas até julho de 2021 através da instalação de pontos de wi-fi e distribuição de chips

Projetos sociais buscam reduzir abismos no acesso à tecnologia

Publicado em 18/02/2021
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A desigualdade de oportunidades no acesso à tecnologia reflete-se em desequilíbrios como na educação na renda e, como consequência, na construção de uma sociedade mais justa na oferta de oportunidades a seus jovens. O combate a esta disparidade envolve iniciativas públicas e privadas de forte impacto. Uma delas, desenvolvida pela CUFA (Central Única das Favelas), foi lançada em 2020, com o objetivo de proporcionar chances aos moradores de favelas. Trata-se do projeto “Mães da Favela On” cujo objetivo é conectar 2 milhões de pessoas até julho de 2021 através da instalação de pontos de wi-fi e distribuição de chips. Até o momento, mais de 1,5 milhão já se beneficiaram da iniciativa que ambiciona democratizar o acesso e dar ferramentas para que os moradores de favelas superem as dificuldades impostas pelo isolamento digital.

Através dos chips entregues às mães e líderes dos lares beneficiados, as famílias ganham 24 horas por dia de acesso à internet para conteúdos de educação e empreendedorismo previamente selecionados pela curadoria do projeto, além de 15 horas por mês de conteúdos livres, ligações telefônicas e uso de WhatsApp ilimitados por seis meses. Os primeiros pontos foram instalados na Rocinha, no Rio de Janeiro, e em Heliópolis e Brasilândia, em São Paulo. O projeto já opera em 150 complexos de favelas de todo o Brasil.

“Desde 2012 a Organização das Nações Unidas classifica a internet como um bem essencial. Logo, ninguém pode ficar sem estar conectado. A internet pode combater a desigualdade, por exemplo, através dos vários cursos online que você pode realizar e ter acesso, bem como oferece muitas oportunidades de se fazer negócios, desenvolver empreendedorismo e startups. Ainda mais durante a pandemia, quando as pessoas têm que ficar em casa, a inclusão digital é essencial”, diz Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas (Cufa).

Assim como o “Mães da Favela On”, outros projetos nascem no horizonte para fortalecer o combate à desigualdade tecnológica no Brasil. Em outubro de 2020, a Microsoft lançou o “Mais Brasil”, em parceria com o Ministério da Economia. O programa é desenhado para treinar 5,5 milhões de pessoas na área de tecnologia até 2023, com o objetivo de inserção no mercado de trabalho. Em outra frente, o projeto vai apoiar até 25 milhões de trabalhadores na busca por uma oportunidade de emprego pelos próximos três anos, usando inteligência artificial para conectar os profissionais às vagas que mais se encaixam em seu perfil.

Além de garantir o acesso a bens de capital e tecnologia, é importante que os indivíduos saibam usá-los de maneira produtiva. Nas últimas décadas, o CDI (Comitê para a Democratização da Informática) — atual Recode — coordena projetos de capacitação e inclusão digital. Desde 1995, 1.752.000 pessoas já foram impactadas pelos cursos e serviços oferecidos pelo grupo, através de 3.636 agentes de transformação em 1.158 centros de empoderamento digital, de acordo com o site da iniciativa.

No Rio de Janeiro, outro projeto que busca suprir a demanda pela democratização do acesso ao universo digital é o “Naves do Conhecimento”. O programa social, que oferece cursos, oficinas, biblioteca digital, computadores e diversos eventos em suas nove unidades espalhadas pelas zonas Norte e Oeste da cidade, foi criado em 2012 pela Secretaria Municipal de Ciência e Tecnologia (SECT) e, em 2016, recebeu o prêmio Visionary of the Year Award 2016, entregue pelo Intelligent Community Forum (ICF), que celebra a inovação. À frente do projeto em seu lançamento, o ex-secretário municipal de ciência e tecnologia, Franklin Coelho ressalta a importância das Naves enquanto agentes de proliferação de oportunidades e informações.

“Acredito que as Naves do Conhecimento fazem parte de um esforço de colocar as inovações tecnológicas num campo da inclusão social. Uma política pública de inclusão social só pode ser entendida a partir de uma análise do processo cumulativo de exclusão que se agrava com o desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação”, analisa, para emendar: “O projeto, implantado nas áreas mais carentes da cidade, buscou formar cidadãos capazes de conviver e de dialogar com um mundo digital”.

Em sua gestão, Franklin alimentava um sistema de monitoramento do impacto nas comunidades. O perfil dos usuários nos primeiros quatro anos do projeto, segundo ele, abrangia todas as faixas etárias: 60,95% dos usuários tinham menos de 18 anos; 19,78% entre 18 e 30 anos; 14,22% entre 30 e 50 anos; 1,29% entre 60 e 80 anos e 0,40% tinham mais de 80 anos. Até setembro de 2016, frequentaram as Naves cerca de 2,5 milhões de pessoas, das quais 175.239 se inscreveram para algum tipo de atividade. Neste mesmo período, as Naves certificaram 44.509 alunos dos diversos cursos, sendo que 1.239 em cursos voltados para empregabilidade. “O acesso à informação é um direito fundamental. Sem informação não temos conhecimento dos nossos direitos e não temos como assegurá-los. Ao falarmos de inclusão digital estamos nos referindo a uma nova cultura de direito, não apenas o direito genérico à internet, mas ao acesso à informação enquanto um bem público”, destaca Franklin.

Há saídas, variadas, em teste nos campos de políticas públicas, de intervenções do terceiro setor e da iniciativa privada. O acesso à Internet pode impactar inclusive na mobilidade social intrageracional – ou seja, transformar a vida de um indivíduo ao longo de determinado período de tempo. Na ala dos exemplos com resultados palpáveis, uma grande reforma foi promovida na China, em 2004, com o objetivo de diminuir distâncias. Através de intervenção tecnológica, o governo uniu professores de alta qualificação a mais de 100 milhões de estudantes de escolas em áreas rurais do país. Conexões de banda larga via satélite, salas com computadores e equipamento multimídia viabilizaram a transmissão das aulas, gravadas na capital Pequim por um corpo docente gabaritado. A experiência chinesa em larga escala de aprendizagem assistida por computador aumentou o período de duração da escolaridade formal dos estudantes em 9,3%, segundo o estudo The Effect of Computer-Assisted Learning on Students’ Long-Term Development. A vida pós-escolar também melhorou: nas regiões submetidas ao programa aumentou o número de cidadãos aptos a ocupar empregos que exigem maiores habilidades cognitivas – empregos mais qualificados dos que os da agricultura, por exemplo. Por último, mas não menos importante, o programa reduziu a disparidade rural-urbana: a diferença entre os anos de escolaridade média nas duas regiões caiu 21% e a distância de rendimentos diminuiu 78%. Para o Brasil o recado que fica é: mãos à obra.