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Uma construção realista do futuro
Dependendo de por onde se olha, é possível enxergar diversos Brasis acomodados sobre esses mesmíssimos 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Há o país de extrema desigualdade convivendo com o fato de ser uma das dez maiores potências econômicas do planeta. É aqui o lugar onde um sistema de saúde pública integrado e acessível, considerado exemplar em muitos aspectos, convive com pacientes dormindo sobre macas em corredores de hospitais. Há problemas e contradições de toda ordem. Mas uma mazela, em especial, não tem merecido a atenção que merece, por sua importância. Trata-se da diferença de oportunidades entre os mais ricos e os mais pobres quando o assunto é simplesmente ter chances de crescer na vida. Vivemos em um país em que, silenciosamente, roubam-se os sonhos de futuro de nossas crianças nascidas nas camadas menos favorecidas.
A gravidade do problema está estampada no gráfico que ilustra essa reportagem. É um comparativo feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em que se mostra o tempo estimado que uma pessoa, nascida entre os mais pobres, leva para alcançar o rendimento médio da população. Os brasileiros mais pobres são informados ali que seus descendentes levarão nove gerações para que estejam finalmente acomodados na camada média de renda do país. Isso se tudo der certo ao final, apesar das idas e vindas dessa vida. “A falta de mobilidade social perpetua a desigualdade, comumente citada como a grande tragédia brasileira. Ou seja, ela amplifica as injustiças e tira do país, de nossos jovens, a capacidade de sonhar com uma vida melhor”, reflete Paulo Tafner, diretor-presidente do Instituto de Desenvolvimento e Mobilidade Social (imds).
Outra forma de entender o alerta de Tafner é se colocar no lugar de um pai de família da Dinamarca, país líder do ranking de mobilidade social. Por lá, o mesmo caminho rumo à média da renda nacional leva duas gerações. Ou seja, o pobre ainda verá seu neto crescer na vida e seguramente verá seu filho ter chances que ele não teve. Aqui, não. O pobre terá netos pobres, e o rico, netos ricos, e esses serão ainda avós de ricos. Estamos empatados, neste quesito, com a África do Sul e um pouco à frente da Colômbia, onde esse tempo chega a 11 gerações. A média, entre todos os países incluídos no ranking pela OCDE, é de 4,5 gerações.
Vai aqui ainda uma outra forma de ver a questão por um ângulo essencialmente brasileiro. Nas condições atuais, os descendentes dos escravos libertos em 1888 chegarão à camada média somente ali por volta do ano de 2113. Isso considerando como sendo de 25 anos o tempo das gerações. Claro que alguns já venceram esse caminho, mas são exceções honrosamente sustentadas por aqueles que tiveram melhores chances na vida. E é disso que se trata. Chances para todos. Muitas e certeiras. Esse é um trabalho fundamental e complexo. Encontrar esses caminhos não é trivial, pois ainda sequer o conhecemos direito.
O acesso à mobilidade social passa por coisas que, quem tem, não lembra que tem. Um exemplo: no México, o programa “Piso Firme” distribuiu cimento para amenizar o efeito de moradias precárias na saúde de crianças. Ao eliminar o contato dos pés descalços com o chão de terra, a iniciativa reduziu a incidência de doenças intestinais na população infantil e, por consequência, o absenteísmo escolar – o que leva a mais eficiência no aprendizado e traz efeitos intergeracionais. Quem imaginaria?
Muitos outros campos de atuação são vislumbrados por quem estuda o tema a fundo. Dependendo da situação, a intervenção recomendada pode envolver saúde da gestante, capacitação de jovens para o empreendedorismo, atendimento pré-natal, apoio ao desenvolvimento cognitivo na primeira infância, desenvolvimento de habilidades socioemocionais, prevenção à violência e até o incentivo a mudanças de endereço. O drama é que não se consegue fazer tudo isso ao mesmo tempo garantindo a precisão de sua aplicação. Já há décadas que o país elegeu pelo menos um caminho, o da educação. Governos, empresários e instituições do terceiro setor focaram no tema e vêm fazendo um bom trabalho. Mas o Brasil segue sendo o lugar em que somente 4,7% dos filhos de pais sem instrução chegarão ao nível superior de escolaridade, enquanto 69,7% dos filhos daqueles que se formaram na faculdade também terão festa de formatura na graduação.
Para tentar encontrar as trilhas que levam à melhoria de vida consolidada, os cientistas sociais perseguem, há muito tempo, as chamadas portas de saída da pobreza. Um jeito de fazer com que quem conseguiu melhorar não retroceda ao sabor das marés de programas de efeito efêmero. Uma forma de fazê-lo é tentar impor condições para que uma família continue a receber um determinado benefício de um programa público, como o Bolsa Família, para citar o maior e mais famoso. Chama-se a isso de condicionalidades. A obrigatoriedade de frequência dos filhos à escola ou a assiduidade a programas de saúde básica são algumas delas e é grande a esperança de que de fato deem certo. Nem sempre dão. E isso não é um problema em si. O duro é insistir em estratégias ineficazes, o que nos leva a outro problema: o de desperdiçar dinheiro público no que nem se sabe ao certo se vale a pena.
Verificar os resultados dos programas, propondo políticas públicas com base em certezas amparadas na melhor ciência social disponível é a primeira tarefa a que o imds se impõe. A outra é levar suas conclusões até os governos, em que esfera for, para que programas bem-sucedidos possam ser replicados. E sem custos para os governos. E quando se fala em imds, nesse caso, não se está falando necessariamente da enxuta equipe do Instituto, mas da rede de colaboradores que terá à sua disposição a plataforma de pesquisa que está começando a ser formada para que as incursões sobre o tema sejam um trabalho conjunto e gregário.
Funciona assim: de um lado a academia, responsável por projetos fundamentados no método científico, desenvolvidos por pesquisadores parceiros de universidades nacionais e estrangeiras. Do outro, prefeituras, governos estaduais, gestores públicos preocupados em resolver problemas sob sua jurisdição. No meio, a plataforma de projetos do imds. Programas testados e aprovados em algum lugar do país, além de estudos avalizados pela equipe do imds, serão apresentados, implementados e terão sua execução acompanhada pelo Instituto. A prática permitirá o aprimoramento de outras iniciativas. A equipe interna vai trabalhar na produção de indicadores, que ajudarão esse trabalho a continuar seguindo em frente. E trabalhando em conjunto, com foco no que é essencial e com o melhor que a ciência pode produzir, o imds inaugura suas atividades oficialmente esta semana.
Políticas públicas baseadas na ciência, que proporcionem a todos as mesmas chances de vencer na vida, são o próximo desafio para o desenvolvimento no país e a razão de ser do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social