O mercado de trabalho brasileiro tem convivido historicamente com altos níveis de rotatividade e informalidade. Mesmo entre os trabalhadores com vínculos formais, a estabilidade não é garantida. Desligamentos frequentes, mudanças abruptas de ocupação e dificuldade de reinserção profissional afetam milhões de pessoas, comprometendo seus projetos de vida e a possibilidade de ascensão socioeconômica. No centro desse cenário, os eventos de demissão em massa merecem atenção especial, tanto pelo número de pessoas atingidas quanto pelas consequências duradouras que provocam.
O Imds produziu a Nota Técnica “Trajetórias Pós-Demissão e Desafios à Recolocação Profissional no Mercado de Trabalho Brasileiro”, que analisa os efeitos de demissões sobre a trajetória profissional de mais de 450 mil trabalhadores brasileiros. Utilizando dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) de 2004 a 2019, o estudo investiga os impactos de longo prazo desses choques, revelando como as perdas vão muito além do desligamento imediato, afetando a empregabilidade e os salários dos indivíduos por até cinco anos após a demissão. O estudo foi objeto de reportagem do “Valor Econômico”, que destacou a persistência das dificuldades enfrentadas por trabalhadores após saírem do mercado formal, incluindo maior risco de queda de renda e obstáculos duradouros à recolocação profissional.
Dois anos após o desligamento, a probabilidade de estar empregado no setor formal ainda é 23,8 pontos percentuais menor entre os trabalhadores atingidos por uma demissão em massa, quando comparados a seus pares em empresas que não passaram por esse tipo de evento. Mesmo cinco anos depois, a diferença permanece elevada, em torno de 15,2 pontos percentuais. Esses números evidenciam a lentidão do processo de reinserção e as dificuldades estruturais que limitam a retomada de uma trajetória profissional estável.
Entre os trabalhadores que conseguem se recolocar, as perdas salariais também são significativas e persistentes. No primeiro ano após a demissão, os rendimentos são, em média, 7,5% menores em relação ao grupo de controle. Essa defasagem se reduz com o tempo, mas não desaparece: mesmo ao final de cinco anos, os salários ainda permanecem 1,8% inferiores àqueles de trabalhadores que não enfrentaram o mesmo tipo de interrupção.
Esses impactos não são homogêneos. Trabalhadores que estavam empregados em empresas de menor porte enfrentam os maiores obstáculos para se reestabelecer no mercado de trabalho, tanto em termos de tempo quanto de remuneração. Por outro lado, aqueles que vinham de empresas com mais de mil empregados tendem a apresentar taxas de reemprego superiores e perdas salariais mais moderadas. Esse padrão pode refletir a presença de redes profissionais mais amplas, maior reputação das empresas no mercado e maior acúmulo de capital humano formalmente reconhecido.
As diferenças também aparecem entre os setores econômicos. Setores como Indústria de Transformação, Agricultura, Comércio e Eletricidade e Saneamento concentram os maiores prejuízos, tanto em relação à probabilidade de reemprego quanto à renda. Já atividades como Tecnologia da Informação, Serviços Financeiros e Comunicação mostram maior resiliência, com recuperação mais rápida dos empregos e menor perda de renda. Essas distinções sugerem que os efeitos de uma demissão em massa também dependem do dinamismo e da estrutura dos setores, assim como da demanda por habilidades específicas.