| Olá, *|NOME|* Desastres naturais podem ter impactos de longo prazo na vida das famílias e dos indivíduos afetados. Populações ribeirinhas prejudicadas por cheias dos rios, moradores de áreas de risco que perdem suas casas em deslizamentos de terra, pequenos proprietários de terra no sertão que perdem seu rebanho por excesso de chuva ou de estiagem são exemplos de situações desencadeadas por eventos climáticos extremos. Na medida em que as famílias mais pobres são as usualmente mais afetadas, o Imds tem se interessado por projetos que exploram os efeitos de eventos naturais extremos sobre a mobilidade social.
Desastres naturais parecem estar ocorrendo com maior frequência e severidade em que o recente caso no Rio Grande do Sul é apenas um exemplo. No mundo, esses fenômenos extremos têm igualmente ocorrido, como a recente tragédia na Líbia. Assim, faz sentido desenvolver pesquisas que sejam capazes de avaliar e apontar melhores práticas para as políticas públicas frente a esses eventos. Em especial, as que focalizam os grupos mais vulneráveis.
Será que programas de transferência de renda, com o desenho adequado, podem funcionar como um seguro contra os riscos associados a eventos climáticos extremos para famílias de baixa-renda, atenuando efeitos de curto prazo e evitando consequências permanentes sobre a população afetada? Será que beneficiários de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, reagem a esses eventos diferentemente de não beneficiários?
No Imds, trabalho em parceria com os pesquisadores Vinícius Schuabb, doutorando em Políticas Públicas na Universidade Bocconi (Milão, Itália) e Valdemar Neto, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (FGV EPGE) e coordenador do Centro de Estudos Empíricos em Economia (FGV CEEE), irá analisar os efeitos de desastres naturais sobre migração.
É bem conhecida na literatura a associação entre desastres naturais e migração. Há extensos estudos sobre migração entre diferentes regiões de um mesmo país, bem como para outros países. Menos frequentes são os trabalhos que exploram a interação entre viver em uma localidade afetada por um evento climático e ser beneficiário de um programa de transferência de renda. Para essa pesquisa desenvolvemos uma nova base de dados que vincula índices de precipitação mensais, disponibilizados pelo projeto Climate Hazards Group InfraRed Precipitation with Station data (CHIRPS), com todos os CEPs do Brasil georreferenciados entre janeiro de 1981 e dezembro de 2019. A utilização de malhas com as informações de precipitação em extensões de 5km por 5km para todo o território nacional permite observar com grande precisão os indivíduos diretamente afetados pelas variações dos índices de precipitação ao longo do tempo. Alternativamente, como teste de robustez dos resultados, utilizamos os indicadores derivados dos registros de desastres naturais disponibilizados pelo governo federal no Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD), compilado pelo atual Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. Os resultados preliminares, com um painel de indivíduos de baixa-renda inscritos no Cadastro Único entre 2016 e 2019, indicam que recebedores dos benefícios do Bolsa-família migram com menos frequência do que não recebedores, após períodos com variações extremas dos índices de precipitação locais. Esse resultado pode sugerir que os benefícios representam importante fonte de renda utilizada para uma mitigação de riscos em momentos de extrema vulnerabilidade dos indivíduos, dado que a decisão de migração é, na maioria das vezes, um último recurso para reestabelecimento dos indivíduos afetados. O impacto de eventos climáticos extremos é muito diferente dependendo da sua caracterização, e o desenho do apoio governamental deve contemplar esses diferentes efeitos. Em áreas rurais, onde a renda é predominantemente derivada da atividade agropecuária, a variação climática tende a afetar diretamente a renda das famílias. Em domicílios urbanos, o choque negativo sobre a renda não é o único fator a induzir a decisão de migração. A perda de moradia ou a destruição de toda a infraestrutura do entorno da habitação são fatores tão ou mais relevantes do que o impacto sobre a renda na tomada de decisão das populações vitimadas pelo desastre. O projeto de pesquisa contempla especial cuidado com a correta modelagem dos processos decisórios em cada caso. Os dados parecem evidenciar que áreas urbanas e rurais apresentam significativa diferença quanto à forma como eventos climáticos extremos afetam os indivíduos e, assim, suas decisões posteriores. Trata-se de estudo ainda em estágio preliminar. Boa parte do esforço da equipe até este momento foi de construção do banco de dados, e de preparação do painel de indivíduos para a investigação econométrica. Choques climáticos ocorrem periodicamente e podem até se tornar mais frequentes. Como pobres vivem em locais com infraestrutura mais precária do que ricos e têm menor proteção contra a volatilidade de renda, são eles as principais vítimas de desastres climáticos. Pensar em eventos climáticos na perspectiva de entrave à mobilidade social é necessário para a construção de melhores e mais eficientes políticas públicas. Até a próxima "Carta do Imds"! Paulo Tafner Diretor-presidente |