Olá, *|NOME|* Hoje vamos falar do tema central e razão de ser do Imds, a mobilidade social. É um assunto complexo, e essa característica começa pelas variadas maneiras de medir a mobilidade. Diferentemente de vários fenômenos, a forma de medir implica em mensagens muito diferentes. Tomemos o exemplo da mobilidade intergeracional da renda: aqui, pode-se comparar a renda do filho (ou da filha) com a renda do pai, e medir o percentual de pessoas de uma geração que tem renda superior à de seus pais. Dado que as duas gerações sejam comparadas em diferentes pontos do tempo (quando tinham as mesmas idades), esse indicador informa sobre o crescimento do poder aquisitivo geral da sociedade entre duas gerações subsequentes. Se um país cresce de maneira relativamente inclusiva ao longo do tempo, é natural que uma elevada fração de filhos ganhe mais do que os seus pais. Nos Estados Unidos, entre os nascidos em 1984, apenas 50% ganhavam, aos 30 anos, mais do que seus pais na mesma idade. A mobilidade absoluta tem caído substancialmente por lá. Para filhos nascidos em 1940, 90% ganhavam mais do que seus pais (ver aqui). Um outro aspecto dessa medida é a sua composição. Podemos imaginar um país em que 70% dos filhos ganham mais do que seus pais e 30% ganham menos. Se esses 30% forem todos filhos de pais pobres, então isso é um problema. Essa mesma estatística não seria um problema caso os 30% de filhos que ganham menos que seus pais estivessem aleatoriamente distribuídos nas faixas de renda (dos pais). Nos Estados Unidos, a queda da mobilidade absoluta tem se concentrado mais entre a classe média (ver aqui). No Brasil, não temos nenhuma base de dados pública com observações de renda dos pais e dos filhos. Podemos recorrer a estatísticas similares usando escolaridade de pais e filhos, o que é feito a partir de dois suplementos especiais da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD), realizadas nos anos de 1996 e 2014. Essa é uma medida importante porque escolaridade está altamente correlacionada com a renda dos indivíduos ao longo da vida --o que em economia convencionou-se chamar de renda permanente. Indicadores calculados pelo Banco Mundial e sistematizados pelo Imds (aqui), mostram que, para a geração de filhos nascidos nos anos 80, 84,2% deles tinham escolaridade maior do que a de seus pais. Apenas cinco países (dos 140 listados pelo Banco Mundial) tinham uma taxa superior à do Brasil: Taiwan, Coreia do Sul, Maldivas, Tailândia e Malásia. Isso mostra avanços na educação e deve repercutir na renda, mas não garante que esses avanços ocorrem entre os filhos de pais menos escolarizados. Estatísticas dessa natureza são chamadas estatísticas de mobilidade absoluta. A primeira, de renda, e a segunda, de escolarização. Um segundo conceito de mobilidade é a chamada mobilidade de ranking (ou posição). Quanto menor a correlação entre o ranking do pai e o ranking do filho, maior a mobilidade social de ranking. Por exemplo, dizemos que há uma ausência completa de mobilidade de ranking quando filhos repetem a posição relativa dos pais no ranking de renda. O que se faz geralmente é estimar em uma regressão de mínimos quadrados o coeficiente associado ao ranking do pai em uma regressão que tem o ranking do filho como variável dependente. Esse coeficiente estará sempre entre zero e um: a unidade significando que o ranking do pai está 100% associado ao ranking do filho (ou seja, ausência completa de mobilidade social), e zero significando a ausência de associação entre os rankings (mobilidade social máxima). Nos Estados Unidos, esse coeficiente é de 0,313 para a geração de filhos nascida entre 1979 e 1982 e tem sido estável desde a geração nascida em 1970 (ver figura 1 aqui). No Brasil, esse cálculo não pode ser feito com os dados disponíveis do IBGE, mas estudo elaborado recentemente reúne bases de registros administrativos do Cadastro Único, da RAIS e, mais importante, do Imposto de Renda, para tentar estimar algumas medidas de mobilidade social. Foi encontrado um coeficiente beta da regressão de 0,54 para os nascidos entre 1988 e 1990 (ver aqui). Isso aponta para uma mobilidade de ranking no Brasil menor do que nos Estados Unidos. Ou seja, a associação entre ranking de renda de filhos e pais é mais forte no Brasil do que nos Estados Unidos. Um país que tenha uma alta mobilidade de ranking e uma baixa mobilidade absoluta encontra-se estagnado economicamente, pois o bem-estar dos filhos não avança em relação a seus pais, embora o status dos pais não influencie o dos filhos. A mobilidade absoluta de renda tem a ver com crescimento de longo prazo e depende de fundamentos macroeconômicos e microeconômicos sólidos. Responsabilidade fiscal, defesa da concorrência (em todos os mercados) e respeito a contratos e às liberdades individuais são condições necessárias para o crescimento de longo prazo e para o progresso sustentável das famílias (ver aqui, por exemplo). A mobilidade de ranking, por sua vez, está associada a um rol de políticas públicas que promovam o desenvolvimento pleno de capacidades cognitivas e sócio emocionais de crianças e jovens, dêem suporte à família como elemento central da formação humana e garantam uma rede de seguridade social ampla que proteja indivíduos e famílias de sinistros (renda e saúde, especialmente), com efeitos de longa duração (vide “Carta do Imds” de 2 de novembro). Até a próxima “Carta do Imds”! Paulo Tafner, diretor-presidente |