O Brasil que vai mais longe

Com a expansão da oferta e das fontes de financiamento do ensino básico nas décadas de 1990 e 2000, boa parte dos brasileiros já consegue completar o ensino médio, com efeitos importantes sobre a mobilidade intergeracional

Há uma relação direta, estatisticamente identificada, entre os anos de estudo de uma pessoa e suas chances de obter maior nível renda na sua vida profissional. Essa é uma das razões pelas quais a Educação é um dos principais indutores de mobilidade social. A boa notícia é que, desde meados da década de 90, o Brasil teve um avanço notável, fazendo com que mais alunos consigam superar obstáculos e chegar mais longe em sua carreira escolar. O país saiu de uma situação em que somente 18% dos alunos chegavam ao fim do ensino médio, para um patamar bem mais promissor. Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2014, entre os que nasceram na década de 1980, são 68,3% os que conseguiram concluir essa etapa de seus estudos.

É bem verdade que o país ainda está longe de resolver seu histórico déficit educacional. E que os educadores já identificaram há muito tempo os efeitos positivos da universalização do ensino, que o país conseguiu proceder com êxito. O que se nota agora é o efeito disso nos aspectos ligados à mobilidade social, como nota o diretor-presidente do Imds, Paulo Tafner: “O grau de escolarização das gerações mais novas é maior do que o das gerações mais antigas. A partir dos anos 1990, aumentou muito a escolarização das crianças, o que é positivo. E é muito provável que isso continue. Então, sob a ótica da educação, certamente que nós tivemos e vamos continuar tendo uma mobilidade ascendente”.

São muitos os benefícios desse fenômeno. Um dos mais importantes é que, quanto maior a escolaridade na família, maiores são as possibilidades de seus descendentes prosperarem. Vejamos em números, extraídos também PNAD 2014. Entre os descendentes de pais com ensino médio incompleto, somente 14,2% chegam aos níveis de renda dos 10% mais ricos. Para se ter uma medida de comparação, no grupo cujos pais concluíram no máximo ensino médio completo, esse percentual quase dobra, pois 24,7% pertencem ao estrato de famílias dentre as 10% mais ricas. Se tivessem diploma de graduação, teriam 47,9% de probabilidade de pertencerem ao grupo mais rico.

* Indicadores produzidos pelo Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (Imds), baseados em dados do IBGE, na série que destaca a correlação entre o nível de instrução dos pais e os resultados que seus filhos alcançam durante a vida. A fonte dos dados é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014.

A comparação internacional com dados do Banco Mundial (que será lançada na forma de dashboard pelo Imds em março) mostra que o percentual de filhos com no máximo ensino médio completo aumenta mais no Brasil do que em alguns países similares, como o México. Os números indicam que, pelo menos no caso do ensino médio, avanços substanciais foram alcançados. Enquanto os filhos nascidos na década de 40 no Brasil têm a mesma proporção de pessoas com diploma de ensino médio do que o México (respectivamente 20% e 16%), a geração da década de 1980 tem 68%, comparado a apenas 51% no México.

Resta, contudo, torná-lo acessível a todos de forma equânime. Na geração da década de 1980, a probabilidade de um filho de pai sem instrução conquistar o sonho do diploma (35,3%) é praticamente igual à chance de terminar com fundamental incompleto (34,3%). E estamos falando de 22% de brasileiros nascidos na década de 80 com essa perspectiva (o percentual que tem pais sem instrução). O copo meio cheio é que na geração nascida na década de 1970 (apenas dez anos antes), a chance de ir para o mercado de trabalho com o diploma do ensino médio era bem menor do que a chance de ir com o fundamental não terminado (respectivamente, 24,8% e 40,5%). Em dez anos, aumentou-se bastante a mobilidade educacional.

O grande obstáculo para a mobilidade educacional e de renda se transfere para a aquisição do diploma de ensino superior. Em termos agregados, na comparação internacional, somos ultrapassados pelo México na geração de 1980, e ficamos a anos luz de distância do desempenho da Coreia do Sul e mesmo do Chile.

“A disputa pelas vagas no ensino superior é determinada pelas condições desiguais nas quais a partida é jogada”, como nota o diretor de pesquisas do IMDS, Sérgio Guimarães Ferreira: enquanto 68,7% dos filhos de pais com diploma universitário terminam a faculdade, apenas 39,8% dos filhos de pai com ensino médio completo ou superior incompleto conseguem o mesmo. Os dados se referem a nascidos em 1980-1989.

Kelly Marques: coordenadora do Eixo Educação da organização da sociedade civil de interesse público Redes da Maré.

A coordenadora do Eixo Educação da organização da sociedade civil de interesse público Redes da Maré, Kelly Marques, conhece o fenômeno. A entidade atua no Complexo da Maré, conjunto de favelas na zona norte da cidade do Rio de Janeiro com mais de 100 mil moradores. Uma de suas atividades é oferecer cursos de pré-vestibular que já ajudaram mais de mil estudantes a entrar na universidade.

Um censo realizado na Maré em 2013, contudo, revelou que o gargalo educacional nesta região mais carente é anterior ao ensino médio: apenas 37,6% dos moradores tinham concluído o ensino fundamental, sendo que metade deles não foi além disso. Já o percentual de graduados no ensino superior girava em torno de 1%. “Dos que avançaram, quase todos ficaram com o ensino médio completo”, conta Kelly.

Segundo ela, a necessidade de trabalhar segue tirando muitos adolescentes da escola. Prova disso é que as escolas municipais na Maré contavam, em 2019, com 56 turmas de 1º ano do ensino fundamental e somente 15 turmas de 9º ano, segundo ela. “Mobilidade social não é possível sem aumento do nível de escolaridade. Quanto menor a escolaridade, maior é a ocupação de cargos com menor remuneração”, afirma.

Sergio Guimarães Ferreira: diretor de pesquisas do Imds.